Meu Timão

Tá achando que várzea é bagunça?

Meu pai tinha um time lá no fundão da Zona Leste até a gente se mudar para o interior de São Paulo há quase quinze anos. Quando eu era criança, sempre o ajudava com aquela papelada sem fim. Listas telefônicas imensas com os contatos de presidentes de outros clubes, fichas de excursões para outras cidades e estados, materiais esportivos, finanças, galeria de troféus (muito bem guardados no bar do meu avô que servia como sede), relatórios de todas as partidas com os jogadores relacionados, números de gols e assistências e tudo mais que vocês possam imaginar. Quando não estava trabalhando, a vida do meu pai era no campo ou no bar. Ele realmente amava aquilo.

Essa não era uma rotina apenas da minha casa. Outros milhares de donos de times seguiam a mesma linha, alguns há muito mais tempo. A maioria abria mão do tempo em família para ir para o campo, muitas vezes de terra e forrados de pedregulhos. Aquilo representava a união dos bairros, a renovação dos laços de amizade, a oportunidade de conhecer outros lugares e, por que não, conhecer várias gatinhas nas festas de aniversário do clube, comemoradas em pleno inverno. Nunca foi rentável, pelo contrário: era gasto em cima de gasto e aborrecimentos sem fim. Mas havia amor e comprometimento.

Quando falam que o Corinthians é uma várzea, imagino logo os primeiros anos lá no Bom Retiro, quando o nosso Corinthians era apenas mais um time de bairro. As pessoas, em sua grande maioria pobre, fizeram o clube. Havia uma noção de pertencimento, pois todos eram iguais. Novamente, havia seriedade regendo a coisa. Amor sem comprometimento vira sonho e morre. É por isso que temos time para torcer hoje em dia.

Ao verem essas presepadas da gangue do Andrés e devaneios do Augusto, jamais se lembrem da várzea ou ousem citar o nome dela. O que temos hoje é a criminalidade profissional em seu mais alto nível. Ninguém ali é inocente ou está cometendo erros de principiante. É tudo muito bem organizado, mil vezes mais do que os caderninhos de capa dura que meu pai preenchia com todo o esmero do mundo.