Rincón e o seu lugar

Coluna do Roberto Piccelli

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Rincón: símbolo de uma era

Rincón e o seu lugar

Rincón foi capitão do Corinthians no Mundial de 2000

Foto: Antônio Gaudério/Folhapress

Rincón e o seu lugar

Coluna do Roberto Piccelli

Opinião de Roberto Piccelli

Dividi minha tristeza com um corinthiano mais novo e não menos fanático do que eu. Freddy Rincón não tinha resistido. Ali percebi o inimaginável: o amigo não o havia visto jogar. Como não?

Já combalido pelo luto, senti o soco do tempo. O Corinthians terminou de tomar forma na minha cabeça naquele fim dos anos 90, que coincidiram com a fase tardia da minha infância. Não é que eu não me lembre de nada: se vasculhar, eu acho o retorno do Neto, o Ramon de Carranza de 96, um Célio Silva, um Mirandinha. Já idolatrava o Ronaldo no gol. De 97 para frente, porém, fui desenvolvendo uma percepção mais integral do Corinthians, que ia da expectativa com as contratações a uma consciência mínima do sistema de jogo.

Os componentes daquele grupo vinham já com nome. Primeiro, chegaram Luxemburgo, Rincón e Edilson. O disque-Marcelinho nos trouxe de volta o camisa 7, já muito querido. Ainda vieram Vampeta, Ricardinho e Luizão. A cronologia aqui é um tanto confusa. O que importa é o que se formou com esse elenco.

A reunião de tantos grandes nomes em um time muitas vezes é a receita para a ruína no futebol. Olhando de hoje, creio que dois fatores foram determinantes para o sucesso daquele Corinthians. O primeiro foi que os reforços foram chegando paulatinamente, em um processo que se iniciou em 97 e culminou em 99. Não houve nenhum pacotão. O segundo foi a liderança firme e serena de Freddy Rincón.

Rincón era um jogador que inspirava a mais absoluta segurança ao torcedor e ao resto do time. Era seguro não apenas na cabeça de área, porque era implacável, mas também no passe, na movimentação, na cobrança dos demais atletas. Nele, a braçadeira de capitão chegava a ser um acessório redundante. Qualquer um que visse o Corinthians em campo perceberia prontamente que era ele o centro de equilíbrio da equipe.

Passasse ou não a bola pelos seus pés ﹘ e quando passava era bem tratada ﹘, sua liderança se afirmava a cada jogada.

Por isso mesmo, não poderia ser outro a levantar a taça do nosso primeiro mundial. Só podia ser ele.

A sua saída, difícil de digerir, prenunciou também o fim daquela era vitoriosa.

Só alguns anos depois eu fui saber que Rincón não era originalmente volante, muito menos primeiro volante. A história é bem conhecida, especialmente para quem já acompanhava o futebol, mas assombrosa para quem amadureceu como torcedor vendo-o naquela posição em campo. Na verdade, durante a maior parte da sua carreira, havia jogado em posições ofensivas (imagine descobrir que Fagner não era lateral direito!). Confesso que eu até estranho vídeos como o do gol da Copa de 90, pela seleção colombiana, contra a Alemanha Ocidental. Aquele era outro jogador.

Enfim, para mim, Rincón sempre definiu e ainda define perfeitamente o primeiro volante - não apenas no Corinthians, mas no futebol.

Esse é o meu resumo possível. Necessariamente incompleto, porque as palavras são limitadas. Necessariamente enviesado, porque as lembranças de um ídolo tão marcante se confundem com o nosso próprio processo de tomada de consciência como torcedor.

Perceber que um corinthiano mais jovem não teve o privilégio de vê-lo jogar, que terá de reconstruir uma ideia imperfeita do que ele representava a partir de relatos como este meu me fez pensar também no quanto eu mesmo perdi. Lembrei das emoções que os nomes de Luizinho, Rivellino, Sócrates, Neto e outros sempre evocaram nos mais velhos. Como terá sido? Um dia o torcedor mais jovem também vai ter que fazer o seu melhor para explicar quem foram os seus grandes ídolos.

Há tantos Corinthians quanto há torcedores do Corinthians. No meu, Rincón está nos fundamentos.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.

Coluna do Roberto Piccelli

Por Roberto Piccelli

Roberto Piccelli é advogado atuante em direito público e escreve sobre temas jurídicos e institucionais relacionados ao Corinthians.

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  • Comentários mais curtidos

    Daniel
    Daniel Mendes #1.905

    As histórias da época do Marcelinho apontam que o Rincon era um cara muito correto, e ele vivia dando sermão na panelinha do Marcelinho e da do Ricardinho. A voz da razão no meio de um monte de jogador briguento, em outros tempos do futebol

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  • Todos os comentários (30)

    BOM
    Bom Jovem #2.151

    Essa geração foi fod@ demais! Disque Marcelinho foi um capítulo à parte na história do futebol

  • jose
    Jose Pavao

    O texto é bom.

    Mas Rincon sempre foi no Corinthians 2o volante.

    Primeiro volante era o Vampeta.

  • Ednilson Valia
    Ednilson Valia

    Reservo-me nesse texto a tristeza e nostalgia. Dida, Indio, Adilson, Fábio Luciano e Kleber; Rincón, Vampeta, Ricardinho e Marcelinho; Luizão e Edílson. Técnico Oswaldo de Oliveira.

    Ignorado pela elite, o povo(parte dele) tinha no Corinthians, não um time e sim um grito da periferia. O paulistano é alienado e vassalo do papo patronal:
    "SÃO PAULO, A LOCOMOTIVA DO BRASIL"

    Nunca foi o vagão, o condutor, o trabalhador da cidade de maior população do país continua sendo o combustível, precisamente o carvão, queimando e virando fumaça para aumentar a velocidade do enriquecimento do "Senhor Feudal" também conhecido por essas bandas como "chefe", "empresário" e "patrão".

    Como escutei de colegas, parentes, em conversas informais no transporte coletivo e confesso, envergonhadamente que repeti a ladainha: "Coitado do patrão, paga muito imposto". Prova maior da consciência idiotizante do "carvão" (trabalhador) que está sempre na labuta.

    O dia 14 de janeiro de 2000, finalmente pude dar o grito da periferia, não mudou nada na vida dos ricaços de sampa. Foi até bom, aumentou a produtividade de boa parte da população, que estava feliz no primeiro mês do século XXI.

    Na data citada no parágrafo acima, o Corinthians venceu o Vasco na final do primeiro mundial organizado pela Fifa. Gritei pós-jogo, pela madrugada enchi a cara, fui para o Parque São Jorge, sede do Timão na zona leste de São Paulo. Poucos jogadores foram até lá, comemorar com a torcida, mas o capitão foi, homenzarrão, preto, camisa oito, que honrou. Eu gritei para ele, que estava em cima de um carro de bombeiro e o capitão respondeu com os pulsos cerrados erguidos. Gosto de pensar que foi uma retribuição ao meu chamado. A sua morte aos 55 anos, em 13 de abril de 2022, também marcou a morte daquele grito que me libertou de algo, mas hoje, refletindo, só me fez lembrar das algemas que nunca saíram dos meus pulsos.

  • Ramon
    Ramon Santana #3.941

    Lendo o texto parece que foi eu quem digitou.
    Minhas lembranças e percepção de Corinthians se deram a partir deste período também.

    Rincón será nosso eterno camisa 8.

    Parabéns pelo texo!

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