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Quem tem medo do bando de loucos?
Isabela Abrantes

Fez as pazes com o jornalismo, com quem tinha brigado ainda na faculdade. Saiu do mundo das agências de publicidade e das startups de tecnologia para fazer no Meu Timão tudo que acredita na vida.

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Quem tem medo do bando de loucos?

Coluna da Isabela Abrantes

Opinião de Isabela Abrantes

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Quem tem medo do bando de loucos?

O louco do bando, aos poucos, voluntariamente veste sua camisa de força

Foto: Divulgação / Nike

Fabricação de consenso é um conceito utilizado pela mídia para vender produtos ou ideias. Num regime minimamente democrático, é um recurso fundamental também para os políticos, que precisam “conduzir” as políticas públicas com a concordância da população.

A necessidade de se fabricar consenso é baseada na ideia (dos políticos e dos grandes grupos de mídia) de que as pessoas são incapazes de pensar por conta própria, e precisam ser “conduzidas”. É feita com o objetivo de garantir que a massa da população concorde com suas políticas (sob o risco de, serem removidos do poder pela “força popular” quando isto não ocorrer).

Sem alongar muito na filosofia da comunicação de massa, basta falar que os grandes grupos de mídia atendem aos seus próprios interesses e os dos seus anunciantes, e assim, trabalham a favor dele criando consenso. O governo, escolhido através do voto, por sua vez é eleito por quem tem maior poder econômico (e de mídia) para conseguir este mesmo consenso. Ou seja, tá todo mundo ali jogando o jogo do tamo-junto.

Não precisa ser nenhum gênio para sacar que, se os anunciantes é que financiam o esforço para se fazer jornalismo, eles são os verdadeiros clientes das empresas e jornais - e não a população. Assim, toda a história que é contada também serve a esses grupos, que precisam - de novo - fabricar o consenso entre a população para que continuem no poder.

Assim, eles trabalham para evitar que as pessoas pensem sobre questões que podem alterar a ordem social que convém a esses grupos. Usando a mídia, eles trabalham em propagandas que ajudam a formatar essa ordem. Em seu livro, entitulado Mídia, o filósofo Noam Chomsky aborda a questão:

(…) qual o sentido de alguém lhe perguntar: “Você apoia a população de Iowa?” Você pode responder “Sim, apoio.” ou “Não, não apoio.”? Isso não é pergunta que se faça, não faz o menor sentido. Essa é a questão… [ela] não significam nada. (…) Sim, é claro, havia uma questão polêmica embutida. A questão era: “Você apoia nossa política?” Mas não se deseja que o povo reflita sobre essa questão. Esse é o objetivo principal de uma propaganda bem-feita: criar um slogan do qual ninguém vai discordar e todos vão apoiar. Ninguém sabe o que ele significa porque ele não significa nada. Sua importância decisiva é que ele desvia a atenção de uma questão que, esta sim, significa algo: “Você apoia nossa política?” Sobre ela ninguém quer saber sua opinião. Surge então uma discussão sobre o apoio às tropas? “É claro que eu não deixo de apoiá-las.” E com isso você venceu.

Agora troque a pergunta-exemplo do Chomsky e leia de novo, perguntando: “Você apoia a violência da torcida?”. É claro que não! Mas isso não significa que por isso você deve apoiar a violência policial, a ilegalidade das ações e a repressão nos estádios. Porém, pode apostar que alguém não quer você pense sobre isso (chegaremos lá).

A escolha da mídia é poderosa. No episódio do Rio, por exemplo “a torcida do Corinthians ENTROU em confronto com a PM”, eles disseram. A torcida vira sujeito ativo, provocador, e assim o julgamento é feito por um imparcial pero no mucho repórter. Propositalmente, para poder fazer essa afirmação, eles precisam ignorar questões fundamentais como: por que aquilo começou? Quem eram os demais sujeitos da ação? O que levou àquilo tudo? Havia outros envolvidos?

Há uma deliberada edição dos fatos. Sim, é fato de que um grupo de pessoas covardemente cercou um policial. Mas por que essa história só começa a ser contada a partir deste ponto? Porque, se não se falar sobre a motivação, todos os envolvidos são reduzidos à animais violentos e bestiais.

Uma das maneiras mais eficazes de se construir esse consenso é a generalização. Afinal, quem é a torcida do Corinthians? Sou eu, são os caras do Rio que brigaram, os que não brigaram, e também é você. E até onde eu sei, não entrei em confronto com ninguém (e espero que você também não).

Pergunte-se então, agora, por que os verdadeiros violentos não são punidos? A quem interessa que nós (e não eles, pois toda a torcida está sendo acusada) continuemos a ser tratados como uma massa homogênea de animais brutos? Por que prender inocentes e culpados sem muito cuidado em separá-los quando há tecnologia suficiente nos estádios para identificar e banir os 10% que preferem a briga ao jogo? Por que isso não acontece?

Creio eu, que a resposta seja simples: porque uma das coisas mais poderosas para convencer as pessoas a fazer o que você quer é o medo. Enquanto a “torcida do Corinthians” for confundida com um bando de brutos violentos, você não vai apoiar a torcida do Corinthians. Mesmo que você também seja parte da torcida do Corinthians e não seja um violento. E talvez, eles não queiram que você faça parte da torcida do Corinthians. Eu sei disso, eles sabem disso, e o nosso eterno Doutor sabia disso:

“O Corinthians é muito mais que um clube de futebol. O Corinthians é uma religião, é uma grande nação, mas muito mais do que isso, o Corinthians é uma voz, o Corinthians é uma força, é uma forma de expressão que a sua população tem. Num país em que os mais fracos social, política e economicamente não têm voz nunca, neste caso têm. Através do Corinthians, eles conseguem se manifestar, quer dizer, a torcida corinthiana utiliza o seu clube, o seu time, a sua expressão física, como forma de contestação de tudo aquilo que não lhe é dado de direito”.

E se o Corinthians é tudo isso, a quem interessa que eu, você e outros corinthianos não-violentos não queiram mais frequentar os estádios? Faça as contas para descobrir a quem verdadeiramente serve a impunidade, e quem é que sai lucrando quando você desiste de ir e passa a ter apenas a TV?

Assim, a história é tão bem construída que, de repente, você nem percebe que é você mesmo quem tá abrindo mão de um direito: o de torcer para o seu time no estádio. A propaganda é tão eficaz, que, pra evitar a violência que repudiamos também queremos o fim dos sinalizadores, das bandeiras, das torcidas múltiplas nos clássicos, das baterias, das faixas. Aceitamos a revista hostil e a presença da tropa de choque num espaço que deveria ser para o lazer: cedemos. No fim, você abre mão do Corinthians.

E aí quando isso acontece, acabou. Sim, ainda seremos um bando de loucos. Mas loucos dopados com as doses certas de manipulação midiática, inofensivos. Apáticos. Sentados no estádio, silenciosos, ou nos nossos sofás, deixaremos que o nosso amor pelo Corinthians e pelo futebol seja intermediado pelo plim plim. E isso era exatamente o que eles queriam.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.

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Por Isabela Abrantes

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